Fulaninha não te mandou aquele e-mail que devia, você fez sozinha, e não deu tempo de pestanejar, bater o pé, nem gritar umas grosserias. O celular parou de funcionar, e a operadora só sabe pedir "aguarde um momento". O tempo virou, o casaco ficou pendurado atrás da porta desde aquele dia em que caiu mostarda nele, tá manchado, não sai mais. O jornal na tevê, sabe-se lá por que diabos ligada, diz que o dólar caiu, Kadafi caiu, o World Trade Center caiu. Desliga a tevê, troca por rádio, e agora o vasco também caiu, diz a voz masculina do final da tarde, enquanto todos voltam, esgotados zumbis, pra sabe-se lá onde, talvez pra seus lares.
Entre burburinhos e pôr do sol em céu poluído visto pela janela, uma música estrangeira acalma, "está tudo bem, hoje já foi" ela devia dizer, independente da língua. Esfrega os olhos, puxa da tomada o computador. Enquanto isso a quatro quarteirões dali uma gota de orvalho cai do alto de uma árvore anciã. E você cai no inconsciente. E o mundo, o mundo descansa (te cansa) às suas costas.
O dia nasceu ensolarado, e tá quente demais; choveu forte à tarde, choveu demais. O trabalho sumiu, o computador deu pau, caiu café no seu pé, a bateria do celular caiu, o bolo grudou na fôrma, o gás acabou, a luz venceu, o chuveiro não tá esquentando, o asfalto quente recebe água da chuva e o calor sobe, o ônibus cheio não se move até que entre o último passageiro. A passagem subiu, o despertador não tocou, o galo não cantou, você não acordou, você não gritou, não chorou, não sorriu, não dançou a valsa vienense, não perguntou por José, você nem ao menos morreu.
Contidamente, continuamos. E o mundo às nossas costas.
Contidamente, continuamos. E o mundo às nossas costas.
Um comentário:
Queria ter mesmo um comentário para fazer, mas juro que vc me deixa sem palavras. E tudo bem, porque as palavras já foram tuas e a função da literatura é ou deve ser ou pode ser tocar alguém com as palavras. Obrigada por isso.
Postar um comentário