24 junho, 2012

Cuida de mim - O Teatro Mágico



"Pra falar verdade, às vezes minto
Tentando ser metade do inteiro que eu sinto
Pra dizer as vezes que às vezes não digo
Sou capaz de fazer da minha briga meu abrigo
Tanto faz não satisfaz o que preciso
Além do mais, quem busca nunca é indeciso
Eu busquei quem sou;
Você, pra mim, mostrou
Que eu não sou sozinho nesse mundo.

Cuida de mim enquanto não esqueço de você
Cuida de mim enquanto finjo que sou quem eu queria ser.
Cuida de mim enquanto não me esqueço de você
Cuida de mim enquanto finjo, enquanto finjo, enquanto fujo.

Basta as penas que eu mesmo sinto de mim
Junto todas, crio asas, viro querubim
Sou da cor, do tom, sabor e som que quiser ouvir
Sou calor, clarão e escuridão que te faz dormir
Quero mais, quero a paz que me prometeu
Volto atrás, se voltar atrás assim como eu.

Busquei quem sou
Você, pra mim, mostrou
Que eu não sou sozinho nesse mundo.

Cuida de mim enquanto não me esqueço de você
Cuida de mim enquanto finjo que sou quem eu queria ser.
Cuida de mim enquanto não me esqueço de você
Cuida de mim enquanto finjo, enquanto fujo, enquanto finjo."

18 junho, 2012

Entre aspas: Recordações do escrivão isaías Caminha

Enquanto fazia a prova da UERJ me deparei com uma questão que um amigo levantou outro dia, escrever para ser comprado. O assunto da conversa não era exatamente esse, e tangenciava outros vários, mas lendo este texto na prova na qual me fudi e fiz esse final de semana, me achei contextualizada com o dilema do escritor. Deixo aqui o texto, boa leitura!

"Eu não sou literato, detesto com toda a paixão essa espécie de animal. O que observei neles, no 
tempo em que estive na redação do O Globo, foi o bastante para não os amar, nem os imitar. São em 
geral de uma lastimável limitação de ideias, cheios de fórmulas, de receitas, só capazes de colher 
fatos detalhados e impotentes para generalizar, curvados aos fortes e às ideias vencedoras, e 
antigas, adstritos a um infantil fetichismo do estilo e guiados por conceitos obsoletos e um pueril 
e errôneo critério de beleza. Se me esforço por fazê-lo literário é para que ele possa ser lido, pois 
quero falar das minhas dores e dos meus sofrimentos ao espírito geral e no seu interesse, com 
a linguagem acessível a ele. É esse o meu propósito, o meu único propósito. Não nego que para 
isso tenha procurado modelos e normas. Procurei-os, confesso; e, agora mesmo, ao alcance 
das mãos, tenho os autores que mais amo. (...) Confesso que os leio, que os estudo, que procuro 
descobrir nos grandes romancistas o segredo de fazer. Mas não é a ambição literária que me 
move ao procurar esse dom misterioso para animar e fazer viver estas pálidas Recordações. 
Com elas, queria modificar a opinião dos meus concidadãos, obrigá-los a pensar de outro modo, 
a não se encherem de hostilidade e má vontade quando encontrarem na vida um rapaz como 
eu e com os desejos que tinha há dez anos passados. Tento mostrar que são legítimos e, se não 
merecedores de apoio, pelo menos dignos de indiferença.
Entretanto, quantas dores, quantas angústias! Vivo aqui só, isto é, sem relações intelectuais de 
qualquer ordem. Cercam-me dois ou três bacharéis idiotas e um médico mezinheiro, repletos 
de orgulho de suas cartas que sabe Deus como tiraram. (...) Entretanto, se eu amanhã lhes fosse 
falar neste livro - que espanto! que sarcasmo! que crítica desanimadora não fariam. Depois que 
se foi o doutor Graciliano, excepcionalmente simples e esquecido de sua carta apergaminhada, 
nada digo das minhas leituras, não falo das minhas lucubrações intelectuais a ninguém, e minha 
mulher, quando me demoro escrevendo pela noite afora, grita-me do quarto:
- Vem dormir, Isaías! Deixa esse relatório para amanhã!
De forma que não tenho por onde aferir se as minhas Recordações preenchem o fim a que as 
destino; se a minha inabilidade literária está prejudicando completamente o seu pensamento. 
Que tortura! E não é só isso: envergonho-me por esta ou aquela passagem em que me acho, em 
que me dispo em frente de desconhecidos, como uma mulher pública... Sofro assim de tantos 
modos, por causa desta obra, que julgo que esse mal-estar, com que às vezes acordo, vem dela, 
unicamente dela. Quero abandoná-la; mas não posso absolutamente. De manhã, ao almoço, na 
coletoria, na botica, jantando, banhando-me, só penso nela. À noite, quando todos em casa se 
vão recolhendo, insensivelmente aproximo-me da mesa e escrevo furiosamente. Estou no sexto 
capítulo e ainda não me preocupei em fazê-la pública, anunciar e arranjar um bom recebimento 
dos detentores da opinião nacional. Que ela tenha a sorte que merecer, mas que possa também, 
amanhã ou daqui a séculos, despertar um escritor mais hábil que a refaça e que diga o que não 
pude nem soube dizer.
(...) Imagino como um escritor hábil não saberia dizer o que eu senti lá dentro. Eu que sofri 
e pensei não o sei narrar. Já por duas vezes, tentei escrever; mas, relendo a página, achei-a 
incolor, comum, e, sobretudo, pouco expressiva do que eu de fato tinha sentido. "


LIMA BARRETO
Recordações do escrivão Isaías Caminha. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2010.

04 junho, 2012

pra não esquecer da 1º pessoa do singular

Oi, querida eu. Há quantas anda? Li algo agora interessante, não tão interessante quanto escrever pra si mesma. É idiota, mas o quão mongoloide não sou querendo esconder-me atrás de fechar os olhos, respirar fundo e controlar a voz?! Digo, se fosse um texto, um poema qualquer, de amor, rebeldia ou tristeza, não hesitaria em escrever. Ainda que eles sejam integralmente eu, parece que estou menos exposta. Talvez seja a certeza de minhas palavras direcionarem ao local errado que as lê, ou então seja somente natural. Natural este que eu muito bem observo, anoto, estudo e percebo. Um natural tão, mas TÃO, percebido, que ainda que inconsciente, dança nos limites do que o transforma consciente.
Perdendo o fio da meada, e agora correndo atrás dele, volto ao que li. Li uma amiga parabenizando outra, e citando que as meninas que eram se orgulhariam das mulheres que se formaram. Será que comigo será assim? Digo, era tão fácil saber quem eu era, e o que queria. Hoje em dia a única certeza que tenho é que nada do que antes era absoluto, hoje é certo.
Quando eu era do primeiro segmento do fundamental, até a 4º série, era simplesmente ser, preparar a terra e começar a plantar pequenas sementes do que viria a fincar raízes nos anos conseguintes. Mas será que o que sou hoje é fruto daquela semente plantada e germinada até alguns anos atrás? Digo, é claro que haveriam mudanças e coisas com as quais eu nunca contaria, quando previa um futuro ou algo semelhante a isso, mas ainda assim, talvez isto estivesse dentro do planejamento do crescimento da árvores, dos galhos, das flores e frutos.
O meu medo não é mudar, mudar é bom, o que nunca muda é plausível de questionamento. Mas o meu medo é me perder, dentro de uma conduta tal qual eu mesmo crio, pra ser uma pessoa melhor, sabe? Sempre fui tão coração, tão impulso, tão respirar e sorrir ideologia, mas desde algum tempo pra cá eu venho me policiando, procurando ser mais razão (é claro, pra evitar muitas dores que ser emoção causa). Respirando, deixando de gritar, controlando a voz, extinguindo as palavras não gentis, e assim se segue. Me pondo no lugar dos outros, fazendo sempre o bem, procurando ser sensata, e sei lá, mais o caralho à quatro. Deixando de chorar, de dizer que eu amo, que eu odeio, que eu sofro, pra fazer disso material que forme degrau, pra que eu chegue sei-lá-onde e sei-lá-porquê.
O receio que me ronda, é me perder no meio do caminho. Se minha essência fosse a Carol com lágrimas ao ver algo bonito e ao se enraivecer? A que grita, xinga, sente, chora, escreve, vive, sonha? Onde já se viu eu me questionar inúmeras vezes por escrever e publicar algo assim, quando o que eu mais faço, e só faço, é me expor, e ainda assim não querer tomar essa 1º pessoa do singular?
Em algum momento eu devo ter me retirado da equação (e pode ter acontecido depois de tanto repetir isso pra mim mesma como solução de todos os problemas) e esquecido o caminho de volta. Ter ficado razão demais, sentida demais, machucada demais e então criado um trauma que não me permitisse o caminho da volta.
Mas quando a gente para, pensa, e não externa, é mais fácil. A gente não sofre, a gente não chora, e se chora, chora quieto, num canto, consigo mesmo. É fácil porque não falando e reforçando o que nos aflige parece que se torna mais fraca a ideia, e então ela morre, e morre sufocada. E vai tudo morrendo, e morre a gente também. Futuro de quem vive é a morte, eu sei, presente também, mas no gerúndio. Mas é só que, são tantos "mas" nesse texto, e os argumentos mais fortes sempre ficam depois do "mas", que eu não sei como continuar. Continuar o que digo aqui, olhando apática a então folha em branco, olhando apática como me torno lamentável tanto por ser emoção quanto por ser emoção.
Porque a gente grita, corre, foge, se esconde, finge não ver, não sentir, não ligar. A gente começa a procurar coisas que não existem, e denominá-las como não são, cavando cada vez mais fundo no vazio, e não sabendo onde parar, pois não há onde parar, porque já estamos parados, na inércia da crise, da vida, da rotina, do não-ser...
Já não sei mais o que escrevo, procuro não ler, mas acabo de lembrar que eu queria me perguntar ao meu eu-futuro, ou eu-passado se me orgulho do que sou agora. Já que no passado desejei ser razão, e no pretérito-perfeito nunca deixar de ser emoção. Espero poder me encontrar comigo mesma no futuro, e ler isso com um sorriso no canto, e olhos semi-molhados, pensando em como achava que toda aquela agonia no vácuo era forte e pra sempre, quando não passava de uma menina carente querendo um abraço e não ter vergonha de chorar, porque se diz pedra, mas no fundo, nem tão fundo, na superfície logo ao alcance de um simples toque, era gente. E gente chora, sente raiva, sente ciúmes, ama, diz amar, chora, deita, e por fim cai na inconsciência. Não que o sono cure, mas adia, e adiar, ainda que seja empurrar com a barriga, ainda que seja ser covarde, é o que a gente faz constantemente, até que do fundo de uma sarjeta imunda a gente se levante. E talvez seja isso, um ciclo, ou estou redondamente errada.
Se algo sei, é que vai passar. Talvez não hoje, talvez não amanhã, mas que tudo (ainda que desejasse que tudo não) passa. E o que fica é cada vez mais profundo, porque a gente para de cavar no vazio, e começa a criar cicatrizes, traumas, ou felicidades e memórias, e a gente vai se construindo e destruindo, e consertando e pondo defeito, vivendo de comédias e dramas, ciclicamente até achar um livro, ou uma frase, ou alguém que nos levante, e aí a gente esquece a dor, e o choro, e a cicatriz e toda a tristeza moribunda, e por fim acaba-se o que, em suma, nada se diz, mas tudo se regorgeia em palavras vazias, porque vazio ela está, vazio eu estou, assumindo em 1º pessoa aquilo que nem eu sei o que é, mas sei que passa.