24 novembro, 2010

Nostalgia de primavera


Era tarde de primavera, naquela cidade pacata e idiota na qual as três moravam, não havia nada mais interessante a se fazer à dar voltas (que seja percebidos o plural da palavra) no shopping.
Três meninas, todas de uniforme, nenhum parecido, mesma escola, sonhos diferentes, risadas compartilhadas e uma forte ligação que talvez seja fruto de uma banda encontrada no myspace qualquer dia desses, ou  talvez há um ano e meio.
Andavam e emitiam sons esquisitos (risadas talvez), estavam se divertindo e isso era claro em seus sorrisos e gargalhadas (e que verdade seja dita, assustavam pedestres de uma mesma calçada).
Seus fones de ouvido compartilhados não importando exatamente a música, mas sim a oportunidade de cantar bem alto (e desafinadamente) e talvez pagar mais algum mico também. Foram muitos aquele dia, mas algo interessante aconteceu intercalando suas risadas causadas pelos tropeções da mais desastrada.
Entraram em uma loja, e é claro que isso envolvia mais algum mico, mas algo naquela atmosfera havia mudado, o cara com olhos verdes atrás do balcão talvez, ou então a total falta de atenção dele na menina que tagarelava ao seu ouvido (que me desculpe a primeira menina).
Olhou para a segunda garota e ela sorriu encantada com os olhos verdes que expressavam sabe-se lá o que. Mas algo acontecia com a terceira, que ignorou completamente a comentário adolescente-juvenil da segunda e só se preocupava em segurar suas mãos fortemente e fixar seu ohar no chão.
Seus ouvidos se fecharam para tudo ao seu redor, apenas apitava um som tão agudo que junto com o tremor de suas mãos faziam seu coração bater ferozmente dentro daquele corpo que insistia em mandar adrenalina para onde tivesse espaço vago. Em sua mente passavam imagens mudas de um passado mal  resolvido, que evaporou de uma hora para outra e nunca mais havia sido lembrado.
Aquele sentimento adormecido havia sido acordado. Nada mais fazia sentido, o que estaria ele fazendo ali? O que havia acontecido com ele? Porque ela a deixara de uma hora para outra?
Suas mãos suavam, seus joelhos já não mais existiam e seu coração estava mais ali do que já estivera nos ultimos 2 anos e meio. Em sua cabeça as perguntas tomavam o lugar das imagens mudas, e ali tudo estava tão rápido.
Ela queria enfrentá-lo e dizer como ficou quando ele a deixou de uma hora para outra e sumiu da sua vida. De como ela sentiu falta das risadas e sentimentos ocultos. Ela queria simplesmente tocá-lo e saber que aquilo não era um sonho, uma peça que seu inconsciente estava a lhe pregar, mas tudo o que conseguiu fazer foi sorrir e olhar pro chão, despejando toda sua raiva no aperto de suas próprias mãos.
Respirou fundo, ignorou o apito e acalmou seu feroz coração. Lembrou-se de como andar e saiu dali com as amigas, contou-lhes sobre ele e de como havia sido aquela época tão boa e inocente. Falou das perguntas e do tremor também, não lembrava direito de como havia se sentido, crise de ausência, e então o papo não ocupou mais de 10 minutos.

 
Em voz alta pelo menos.



Dedicado à duas amigas muito especiais.
Aliás, obrigada pelas risadas daquele dia.

22 novembro, 2010

Vento no Litoral

Renato Russo: Quem que já sofreu por amor?
Público: EEEEEU !
Renato Russo: Isso tudo já se apaixonou de verdade? Eu sempre faço essa pergunta, porque, EU NÃO ACREDITO NISSO. Eu cheguei à conclusão, que se o amor é verdadeiro, não existe sofrimento.
Senão fica um cara doente, igual ao cara dessa música agora (…)
 


citação de Charles Bukowski

E se em alguém aí fora que se sente louco o suficiente pra querer se tornar um escritor, eu diria vai em frente, cospe no olho do sol, bate nessas teclas, é a melhor loucura que há, os séculos precisam de ajuda, as espécies gritam por luz e apostam e riem. Mostra pra eles. Há palavras suficientes pra todos nós.

(Charles Bukowski)

14 novembro, 2010

run


Nada parecia suficiente ali, nem a música e nem a água que caia do chuveiro parecia fria o suficiente para a fazer pensar em outra coisa.
Na sua mente tudo estava abafado pelo som interno do seu grito de horror e pelas imagens agitadas que pareciam gritar algo óbvio mas não tinha som para alguém ouvir (se cair uma àrvore longe o suficiente para ninguém ouvir, podemos dizer que fez barulho?).
Saiu ainda calçando o tênis, o calor era insuportável e o Rio de Janeiro também. Correu por alguns quarteirões até que seu fôlego a abrigou a caminhar em passadas longas e barulhentas.
As ruas estavam vazias e silenciosas, de vez enquando achava algum casal em frente aos grandes prédios. Pracinhas sem som, casas com luzes amareladas, mendigos em esquinas abandonadas. Olhava tudo, não enxergava nada. Recuperou o ritmo de corrida e cada vez mais aumentava suas passadas, agora sem ouvir o barulho que junto com o chão produzuria. Seus fones berravam palavras estrangeiras que não seriam apropriadas àquilo a não ser pelo ritmo rapido e alto o suficiente para abafar seus pensamentos.
Parou, olhou ao redor e encontrou uma pedra. Sentou e pôs-se a olhar tudo a sua volta, a terra úmida, as árvores altas e verdes e a lua que estava mais perto dela do que ja estivera um dia. Sentiu o vento forte e frio em seu rosto e não se encolheu, pelo contrário, se expôs á ele. Depois de tanto se esconder, depois de tanto controlar impulsos e medir palavras devia haver algo do qual ela não deveria se esconder ou recuar. Gritou tão alto que nem a folhagem seca e coberta por musgos que havia por todos os lados poderia abafar aquele som. Alguns pássaros se assustaram e voaram, mechendo assim os galhos da árvore debaixo da qual se encontrava. Choveu por curtos segundos, mas pareceu o bastante para tirar o suór excessivo de seu rosto.
Fechou os olhos e deixou que sua mente se concentrasse num barulho longe dali, tinha barulho de água corrente e era cada vez mais confortável ouvir aquilo.
Perante a chuva das gotas de orvalho e a brisa fria, enxugou as lágrimas que já não mais estavam ali e prometeu para sí mesma que nunca mais se sentiria assim, com aquele aperto no coração e a sensação da insuficiência de ar.
Ela mais que ninguém sabia o que deveria fazer dali em diante. Na verdade, mais uma vez, só ela saberia o que fazer por sí propria.
Não se preocupou em recolher as tristezas, mágoas ou seja lá o que tenha deixado naquele lugar, pôs-se de volta para casa em passos calmos e sem pressa. Observou cada metro quadrado que sua agonia em minutos antes não a deixara ver. Cada folha caída pelo outono rígido, cada tronco, cada brisa, cada gota da fina chuva que começava a cair por sobre sua cabeça significava alguma coisa dali em diante. Ou pra sempre, ou por um longo prazo.

after april

E todo esse tempo perdido foi se cicatrizando mês a mês, com o passar do tempo e com minha mente nada lúcida. Doeu e muitas vezes chorei. Outras tantas gritei bem alto palavras toscas que me fizeram chorar mais uma vez. Ele se fora assim como as palavras sem som em minha mente e o rosto dele. Tudo se foi, pouco à pouco. Ora dormente, ora latejando a cicatriz me lembra dele, e eu?! Bom, eu resisto é claro. Mudo de calçada e continuo a caminhada.

04 novembro, 2010

Ciclo

Jogou os rascunhos fora, se desfez dos ensaios feitos em sua mente  um dia antes, aproximou-se em dois passos acanhados e cheios de receio, então pôs-se a dizer palavras emboladas que escorriam de sua boca como água corrente:
-As coisas vão acontecendo num desenrolar de caminhos que parecem cada vez mais se enrolarem.   Não importa que agora eu esteja chorando, morta, introspectiva. É um preço a pagar, e como das outras vezes a sensação vai desaparecer, tanto da dor quanto da felicidade.
Ele a olhou se arrependendo de cada uma das promessas que um dia fizera e agora sabia que nunca se cumpririam. Disse palavras não muito doces, mas que desencadearam lágrimas no rosto frágil e de traços finos da menina:
-É tudo um ciclo, nada mais é paralelo. As histórias se repetem e sempre, sempre, pulam de um fim para um novo começo, não depende mais de nós, não diretamente. Não faça me sentir pior, desculpe-me por algo, ou por tudo.
Ela que recuou um passo e mais que ninguém sabia o que aquilo significava. Apertou bem os olhos para expulsar as lágrimas e então como se fosse o último jato de água que sairia daquela torneira terminou tudo ali, com palavras práticas e rápidas:
-Bom,  tudo passa. Assim como a felicidade, assim como a dor, ISSO TAMBÉM VAI PASSAR.
Assim, de modo rápido, doloroso e com poucas palavras, evaporaram um da vida do outro. Toda uma história, todo um sentimento, naquela tarde evaporava e se juntava às nuvens densas daquela tarde silenciosa.
Sumir, desaparecer, evaporar!




Todos os dias o ciclo se repete, às vezes com mais rapidez, outras mais lentamente.
Caio F.